quinta-feira, 15 de abril de 2010

Chico Buarque - Construção - 1971


Que Chico Buarque de Hollanda é genial pouca gente ignora ou duvida; como alguém já falou, Chico é uma das poucas unanimidades do Brasil. Não se pode assegurar se ele é, de fato, uma unanimidade, mas uma coisa não se deve negar: Chico é o compositor mais completo surgido no Brasil nos últimos 40 anos; ninguém fez sozinho, em termos de letra e música, tantas obras-primas como ele. O próprio Caetano Veloso, outro grande nome da canção (e da cultura) brasileira, afirma que Chico é o mais perfeito e o mais preciso compositor de letra e música do Brasil. Além da grande qualidade e beleza de suas letras, suas músicas são de um requinte harmônico e melódico notável.

No entanto, se a qualidade de suas canções é inegável desde o seu primeiro disco, lançado em 1966, sua discografia só começa a tornar-se verdadeiramente interessante a partir de 1970, com “Chico Buarque de Hollanda Vol.4”, quando Chico começa a preocupar-se mais com a produção de seus discos. Em 1971, ao lançar “Construção”, disco que conta com uma produção ainda mais bem cuidada e coerente, Chico mostra-se mais preocupado com a questão discográfica mesma de sua obra.

Construção é um disco cheio de referências distintas: produzido por Roberto Menescal, tem samba, versão de música italiana, parceria com Tom Jobim, com Vinícius de Moraes e com Toquinho. Neste disco definitivo para a música brasileira e de extrema importância para a renovação da estética lítero-musical de Chico Buarque, consolida-se a parceria deste com o MPB-4, que já participava de seus discos – cantando, tocando e/ou fazendo arranjos – desde 1967, com o “Chico Buarque de Hollanda Vol. 2”.

A maior parte dos arranjos de base de “Construção” são do próprio MPB4, que também fez os arranjos vocais. Infelizmente, como é comum em discos dessa época, não há créditos para os músicos participantes e para os arranjadores, o que nesse disco em particular é um defeito grave, uma vez que se trata de um disco clássico. No entanto, há pelo menos três faixas em que os arranjos de orquestra não poderiam deixar de ser identificados, graças à genialidade de seus autores, que são inconfundíveis: a faixa-título e “Cotidiano” têm arranjos personalíssimos de Rogério Duprat e “Olha, Maria”, de Antônio Carlos Jobim (autor da música, que tem letra de Chico e Vinícius).

Em “Construção”, a obra já rica e definitiva de Chico Buarque prossegue reafirmando-se, mas dando uma guinada – ainda que suave e iniciada com o álbum anterior – e ganhando maior modernidade e sofisticação em termos de melodia, harmonia e letra. Contribuíram pra isso talvez a influência de outros mestres, como seu contemporâneo Milton Nascimento, o mestre Tom Jobim e um diálogo sutil com os tropicalistas; além, é claro, da própria genialidade de Chico, sempre atento à modernidade sem perder de vista a rica herança da tradição da música popular brasileira.


(Denisson Ventura)






terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Milton Nascimento e Lô Borges - Clube da Esquina - 1972



Se na década de 1960 a música brasileira ganhou o respeito e a admiração do mundo através do grande êxito da Bossa-Nova e de toda música que, de alguma forma, derivou das conquistas que este movimento trouxe, nos anos 70, graças à ousadia e inventividade de vários músicos e compositores das mais diversas tendências, a MPB consolidou-se como música extremamente rica, diversificada e universal.

Não há dúvida de que o movimento tropicalista (além da própria dinâmica sócio-cultural do mundo moderno e globalizado), contribuiu consideravelmente para uma abertura da música popular brasileira e para novas influências, inclusive e sobretudo internacionais, como por exemplo o uso de guitarras, que era mal visto pelos puristas e conservadores, pela identificação deste instrumento com o rock’n roll e com outros gêneros estrangeiros. Gêneros que não deveriam, para os mais conservadores, ser assimilados pela música brasileira, pois contaminariam sua suposta pureza. Mas esta assimilação seria, além de necessária, inevitável.

Assim, enfim suplantados (ou ao menos reduzidos) os preconceitos e resistências relativos a uma maior "universalização" da MPB, o terreno estava preparado para o surgimento de uma nova música e de novos estilos, alguns mais efêmeros e menos consistentes, outros completamente expressivos e transformadores, como foi o caso da música do grupo de compositores que fizeram parte do Clube da Esquina.

O Clube da Esquina foi, para muitos especialistas, o movimento musical brasileiro mais importante da segunda metade do século XX depois da Bossa-Nova, pois como esta e diversamente do Tropicalismo (ou Tropicália, como preferem os que fizeram parte do movimento), o Clube foi um movimento estritamente musical e extremamente inovador nesse sentido, uma vez que criou uma estética totalmente nova e original.

Originalidade é, decerto, a palavra que melhor caracteriza a estética lítero-musical criada pelos compositores e músicos do Clube da Esquina. Reunidos em torno da talentosa e generosa figura de Milton Nascimento, artistas como Lô Borges, Toninho Horta, Tavito, Robertinho Silva, Luiz Alves, Novelli, Naná Vasconcelos, Wagner Tiso, Nelson Ângelo, Beto Guedes, Fernando Brant, Márcio Borges, Ronaldo Bastos, entre outros grandes nomes, forjaram uma sonoridade única e instigante, ao mesmo tempo brasileira e cosmopolita, barroca e moderna, interiorana e urbana, simples e sofisticada. Sonoridade que causou imenso impacto em músicos de vários lugares e gerações e que só poderia ter se formado no Brasil.

Estes jovens músicos, compositores e letristas conseguiram criar uma estética revolucionária, que foi-se firmando desde o fim dos anos 60 a partir da força criadora de Milton Nascimento e tomou forma definitiva com o disco Clube da Esquina, lançado em 1972.

Concebido a partir da intenção de Milton de projetar a nova música mineira na cena musical brasileira de então, o álbum Clube da Esquina (o primeiro LP duplo da música brasileira, ao lado de Fatal, de Gal Costa) foi produzido de uma maneira bastante elaborada. e peciuliar. Tudo foi pensado de modo a dar uma coerência e criar mais do que um disco, mas uma obra conceitual, com uma proposta de verdadeira renovação estética. Desde a capa (que não tem, propositalmente, o nome dos artistas, mas apenas a foto de dois meninos anônimos), a seleção de repertório e a ordem das faixas, até a criação dos arranjos, tudo no álbum Clube da Esquina reflete muito o caráter gregário e coletivo de sua criação.

Ironicamente – mas como é comum no Brasil –, à época de seu lançamento, o disco não teve sucesso imediato, e alguns críticos desatentos e reacionários decretaram o fim da carreira de Milton Nascimento, já que se juntou a um jovem de 19 anos de idade e a vários outros jovens para fazer um disco experimental. No entanto, desde seu lançamento até os dias de hoje, quase quatro décadas depois, o álbum Clube da Esquina foi reconhecido, ainda que por poucos como revolucionário e mudou para sempre os rumos da moderna música popular brasileira.


(Denisson Ventura)





1. Tudo que você podia ser (Márcio Borges - Lô Borges)
2. Cais (Milton Nascimento - Ronaldo Bastos)
3. O trem azul (Lô Borges - Ronaldo Bastos)
4. Saídas e Bandeiras nº 1 (Milton Nascimento - Fernando Brant)
5. Nuvem cigana (Lô Borges - Ronaldo Bastos)
6. Cravo e canela (Milton Nascimento - Ronaldo Bastos)
7. Dos cruces (Carmelo Larrea)
8. Um girassol da cor de seu cabelo (Márcio Borges - Lô Borges)
9. San Vicente (Milton Nascimento - Fernando Brant)
10. Estrelas (Márcio Borges - Lô Borges)
11. Clube da Esquina nº 2 (Lô Borges - Milton Nascimento)
12. Paisagem na janela (Lô Borges - Fernando Brant)
13. Me deixa em paz (Ayrton Amorim - Monsueto)
14. Os povos (Márcio Borges - Milton Nascimento)
15. Saídas e Bandeiras nº 2 (Milton Nascimento - Fernando Brant)
16. Um gôsto de Sol (Milton Nascimento - Ronaldo Bastos)
17. Pelo amor de Deus (Milton Nascimento - Fernando Brant)
18. Lilia (Milton Nascimento - Fernando Brant)
19. Trem de doido (Márcio Borges - Lô Borges)
20. Nada será como antes (Milton Nascimento - Ronaldo Bastos)
21. Ao que vai nascer (Milton Nascimento - Fernando Brant)

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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Hermeto Pascoal - Hermeto - 1970

Após uma bem sucedida temporada tocando com Airto Moreira nos EUA, onde conheceu e gravou com a lenda do jazz, Miles Davis (para quem Hermeto compôs duas músicas: “Little Church” e “Nem um talvez”), Hermeto Pascoal foi convidado, em 1970, pela Buddha Records para gravar este disco, que seria o primeiro solo de sua carreira.

Em seu primeiro disco solo, Hermeto, que já tinha feito parte de três excelentes conjuntos instrumentais (Conjunto Som 4, Sambrasa Trio e Quarteto Novo), mostra toda a sua genialidade como compositor, multiinstrumentista e arranjador. São onze músicas da mais alta qualidade e sofisticação, das quais dez são de sua autoria e uma (“Flor de Amor”) de autoria de seu irmão, José Neto.

Além de tocar vários instrumentos, como piano, flauta e escaleta (além dos instrumentos inventados), Hermeto fez todos os arranjos e orquestrações do disco, que contou com a participação de diversos músicos norte-americanos e de alguns brasileiros, como o próprio Airto Moreira (percussão e efeitos) e a vocalista Flora Purim.

Hermeto – cuja musicalidade formou-se tanto na roça como nas feiras de sua terra natal, Lagoa da Canoa, tanto nas rádios onde tocou no Recife e no Rio de Janeiro como nos trios e quartetos de bossa-nova e música instrumental de um modo geral de que participou e foi mentor– é um autodidata, um músico inato de concepção musical sem fronteiras e sem censuras, que só tem um parâmetro: a altíssima qualidade da criação.

Desse modo, não se deve estranhar que seu primeiro disco solo tenha sido gravado nos EUA, onde o mercado para o reconhecimento e a apreciação de uma música mais livre como a de Hermeto Pascoal era, de fato, maior nessa época.

Nota-se neste seu primeiro álbum uma sonoridade marcadamente jazzística, com harmonias extremamente belas e complexas, divisões sutis e uso de timbres que já vinham sendo experimentados no fusion-jazz. Mas muito além do jazz propriamente dito, a música de Hermeto é marcada sobretudo pela invenção e pela liberdade (também muito presentes no jazz como gênero e como filosofia musical), da qual ele abusaria ainda mais em seus discos posteriores, criando uma música nunca antes ouvida, tanto pela elaboração quanto pela exuberância.

Música que impressionou e continua impressionando músicos, instrumentistas e críticos musicais do mundo inteiro, que vêem em Hermeto Pascoal um autêntico gênio, com sua criatividade caudalosa, seu incrível virtuosismo autodidata e todas as suas excentricidades musicais.


(Denisson Ventura)



quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Paulinho da Viola - Foi um rio que passou em minha vida - 1970



Filho de chorão profissional (César Faria, violonista do longevo conjunto Época de Ouro), Paulo César Faria, o Paulinho da Viola, conviveu desde pequeno com sambistas e chorões que se reuniam em saraus em sua casa. Assim, este que viria a se tornar o “príncipe do samba” conheceu, ainda pequeno, gente como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Cartola, Carlos Cachaça, Candeia, Zé Kéti, Elizeth Cardoso, entre outros grandes nomes da música brasileira.

Tal convivência com músicos de choro e de samba, junto com uma vivência musical aberta a novas influências como a bossa-nova e a renovada MPB da década de 1960, sem dúvida, ajudaram a formar a rica musicalidade de Paulinho da Viola, que se tornou um dos principais renovadores do samba e um dos grandes compositores de sua geração na música brasileira.

Antes de seguir carreira solo, Paulinho da Viola formou junto com outros sambistas (alguns já famosos, como Nelson Sargento, Zé Kéti e Elton Medeiros) o conjunto “A voz do morro”, que gravou três discos entre 1965 e 1966. Nessa época, também fez parte da ala de compositores da Portela e participou, como compositor, cantor e instrumentista do espetáculo “Rosa de Ouro” (1965 e 1967), de Clementina de Jesus e Araci Cortes, dirigido por Hermínio Belo de Carvalho, poeta, letrista e parceiro de Paulinho em vários sambas.

Neste álbum de 1970, o segundo de sua carreira solo, já se pode notar a distinção de seu samba, marcado por uma forte influência do choro, com melodias sinuosas e por uma sofisticação harmônica, presente em músicas como “Nada de novo”, “Não quero você assim” e “Sinal fechado”, canção que demonstra que Paulinho da Viola é muito mais do que um simples sambista e com a qual ele venceu o 5º festival da MPB da TV Record em 1968.

Mas o que se destaca mesmo neste disco são os seus “sambas de morro”, com temática ligada ao cotidiano das comunidades, ao amor e à sua escola de samba, a Portela, para a qual Paulinho compôs um dos sambas mais bonitos da história, a faixa-título deste disco “Foi um rio que passou em minha vida”.


(Denisson Ventura)

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